quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

>> crise nos incentivos - I
O Instituto Eldorado perde com o principal cliente...

Arthur João Catto lê inglês bem, pois viveu nos Estados Unidos quando fazia o doutorado; hoje, é o superintendente do Instituto de Pesquisas Eldorado, localizado em Campinas, São Paulo. Ele soube da Motorola como os demais executivos do setor. Os computadores da Motorola nos Estados Unidos transmitiram automaticamente avisos para investidores, jornalistas e parceiros.O Eldorado faz dez anos este mês, e foi criado por iniciativa da Motorola. Cresceu ano a ano e, nos últimos anos, entrou numa boa rotina de trabalho, que terminou assim: o Eldorado faz pesquisa e desenvolvimento para 31 clientes, homologa 40% de todos os celulares postos à venda no Brasil, capta 5% de tudo o que as empresas gastam com P&D em troca dos incentivos fiscais da Lei de Informática.Todos os contratos com clientes duram 12 meses no máximo. “Todo ano”, diz Catto, “nós começamos tudo de novo, do zero.” Em outubro de 2008, um aviso automático dizia: a Motorola vai demitir 3 mil pessoas no mundo todo. Em janeiro de 2009, outro aviso dizia: a Motorola vai demitir mais 4 mil pessoas, além daquelas 3 mil. Em fevereiro, um outro: a Motorola perdeu US$ 3,6 bilhões só no quarto trimestre de 2008. Até janeiro, 50% de tudo o que o Eldorado faturava vinha da Motorola.Os diretores da Motorola têm de reduzir custos e de reorganizar a empresa. “A Motorola está revendo tudo”, diz Catto; inclusive os contratos com o Eldorado. Catto diz que sua missão se transformou em “reduzir o impacto dessa crise no RH”. Demitir o menor número possível de funcionários, e motivar quem fica.

>> crise nos incentivos - II
... estuda como achar trabalho para cada pesquisador...

Numa das salas do Eldorado, diz Catto, está a solução para a crise de 2009. Em cima das mesas, um funcionário arrumou uma exposição de placas e protótipos. Uma placa grande de WiMAX 700, depois uma menor, e por último uma bem pequena, para quando o Eldorado colocar todos os circuitos do WiMAX 700 num chip só. Um painel do Volkswagen Fox — o Eldorado projetou os circuitos atrás do painel para a Magneti Marelli. Ele correu riscos com essas placas.Em vários casos, ele montou os primeiros protótipos sem ter um cliente. Foi achar o cliente depois. No caso das plaquinhas de WiMAX 700, ainda procura clientes.Essas plaquinhas enganam. Quanto menor, mais ela consome horas de trabalho. Um técnico consegue montar placas grandes à mão, e pode verificar a qualidade a olho nu. Mas só consegue montar placas minúsculas ao manejar braços mecânicos com mira a laser, para posicionar cada peça micrômetro por micrômetro, e só consegue verificar a qualidade do trabalho com fotografias de raios X. Fora o software, que precisa ser ótimo, pois será transformado num chip dedicado. Ao criar plaquinhas como a do WiMAX 700, os funcionários do Eldorado trabalharam milhares de horas e aprenderam bastante.Catto transformou esses profissionais experientes em consultores e professores. Eles treinaram 3 mil pessoas no ofício de trabalhar com mainframe (para a IBM); treinaram deficientes físicos para as empresas de TI da região de Campinas; treinaram centenas de pessoas para empresas como a British Telecom, que pretendem lançar serviços complexos no Brasil, mas sem tirar gente da concorrência por meio de salários altos. “Todo o departamento brasileiro de P&D da EMC”, diz Catto, “fica numa das salas aqui do Eldorado.” Por contrato, nenhum estranho pode caminhar pelo corredor em que fica a tal sala.Enquanto a Motorola pagava 50% do Eldorado, fazia pouco sentido gastar energia demais para vender mais serviços assim, até porque os funcionários ocupavam o dia com a Motorola. Mas agora o sistema de controle de projetos do Eldorado já mostra o dia e o mês em que determinado grupo de profissionais ficará livre. Os vendedores do Eldorado já visitam empresas com essas datas nas mãos: eles precisam arranjar trabalho para cada grupo livre.

>> crise nos incentivos - III
... e reduz a operação toda em 20%.

Depois de trabalhar dez anos, o pessoal do Eldorado só vendeu para multinacionais estrangeiras. Quase todas investem em P&D por conta da Lei de Informática. Quase todas investem em projetos mais simples, diz Catto, porque acham a legislação brasileira confusa. Se o presidente da multinacional banca um projeto complexo no Brasil, uns anos depois ele talvez seja acusado de sonegação de impostos.Então, agora os vendedores do Eldorado precisam trocar projetos grandes, de um cliente antigo e amigo, por projetos de clientes novos. “O cliente novo ainda não nos conhece”, diz Catto. “Ele sempre começa com projetos menores, para testar.”Os vendedores se saíram bem até agora, pois Catto tem vários projetos para assinar nas próximas semanas. Mas os projetos novos não cobrem tudo o que a Motorola vai desativar. “Eu já começo 2009 com a expectativa de reduzir a folha de pagamento em 20%.”Esse é o segundo pior problema diante de Catto. Ao trocar projetos maiores e mais complicados por projetos menores e mais simples, e ao demitir pessoal, o Eldorado será obrigado a usar funcionário sênior para tarefas típicas de funcionário júnior. O pessoal sênior talvez se aborreça, procure emprego e peça demissão.O Eldorado vive de propor projetos no tempo certo. Nem antes, quando o cliente talvez invista à toa (pois a oportunidade se mostra irreal), nem depois, quando os concorrentes do cliente já ocupam o mercado. Só profissional sênior calcula bem o tempo certo. Para Catto, o principal problema do momento é convencer esse pessoal a esperar, dentro do Eldorado, o fim da crise.